quinta-feira, 2 de maio de 2013

"O que marca a excelência de uma escola de Educação Infantil é a qualidade das pessoas que lá trabalham"

Entrevista transcrita da Revista: Nova Escola Nº 261. Abril 2013

Fala, Mestre! Ana Malajovich  - Professora argentina de Didática da Educação Infantil na Universidade de Buenos Aires (UBA), licenciada em Ciências da Educação. Foi uma das responsáveis por elaborar programas curriculares no país.

Profissionais bem formados, planejamento e propostas diversificadas são a chave para garantir a aprendizagem das crianças
Beatriz Santomauro 

A creche e a pré-escola dão aos pequenos acesso a diversos conhecimentos desenvolvidos e acumulados pela humanidade. Mesmo assim, essa etapa da Educação é muitas vezes encarada apenas como um segmento preparatório para o Ensino Fundamental. Ao mesmo tempo, os professores que a ela se dedicam são pouco valorizados. Ana Malajovich, que tem experiência com crianças dessa fase, discorre sobre essas situações e fala sobre boas práticas de sala, incluindo a riqueza do brincar por prazer.

Muitas vezes, a Educação Infantil brasileira é vista como uma etapa menos importante e os educadores são desvalorizados financeiramente. Como é na Argentina?
ANA MALAJOVICH  Até 1968, os argentinos que desejavam trabalhar com o segmento estudavam dois anos a mais do que os do Ensino Fundamental. Hoje, todos têm a mesma formação e ganham salários iguais, mas há a ideia de que os melhores devem lecionar para os anos finais para dar conta do que não foi ensinado antes. Deveria ser o contrário: é preciso valorizar os momentos em que as crianças aprendem as primeiras noções de Matemática e a ler e escrever, por exemplo.  Apesar do cenário atual, a Educação Infantil argentina é considerada importantíssima pela população. A matrícula é obrigatória a partir dos 5 anos em todo o país e, em algumas províncias, a partir de 4. Sobre a desvalorização da categoria, defendo que o problema seja combatido pelos próprios educadores, e não só por outras instâncias. Eles devem provar que são profissionais e merecem reconhecimento. Não é um processo fácil. Tem de ser construído em discussões com a comunidade escolar e isso leva tempo.

Por que a Educação Infantil é importante para a formação das crianças?
ANA  Ela permite o acesso dos pequenos a um conjunto de saberes criados pelos homens em todos os campos do conhecimento - o que inclui a cultura formal, mas não só ela. Esse contato é essencial principalmente para os que têm pouco acesso aos livros, às brincadeiras e a outras oportunidades. Na escola desde cedo, eles também têm a chance de aprender com boas propostas de literatura e música, desenvolver a expressão artística e a linguagem oral, conviver com outras pessoas, resolver situações matemáticas, se aproximar do mundo da escrita e conhecer o que está além de suas experiências pessoais.

Quais as características de uma creche ou pré-escola eficientes?
ANA Ela é aberta ao diálogo com a comunidade e incorpora as boas experiências com que tem algum contato. Nela, as crianças são felizes e se mostram satisfeitas com o que aprendem. Os materiais, a estrutura física e o espaço também são importantes, mas não são o essencial. O que marca a excelência de uma escola de Educação Infantil é a qualidade das pessoas que lá trabalham. Quando há um clima de afeto, confiança, serenidade e colaboração, tudo é transmitido para toda a turma.

 Como deve ser a formação dos educadores que querem trabalhar no segmento?
ANA Na Argentina, eles precisam estudar Psicologia, Filosofia, didática da Educação Infantil, políticas educacionais e História e Sociologia da Educação. Eles têm ainda que conhecer a didática de cada um dos campos de conhecimento que vai explorar: Matemática, Música, Expressão Corporal, Linguagem Visual, Literatura, Educação Física etc. E, além de uma excelente formação teórica e prática, precisam ter a chance de realizar práticas de ensino em diferentes tipos de instituições para refletir criticamente.

Como os professores devem lidar com as diferenças entre os pequenos no que diz respeito aos saberes, à idade e até mesmo ao comportamento deles?
ANA Todos os seres humanos são diferentes e isso é uma vantagem. Na província de Buenos Aires, apostamos nas diferenças e não nas desigualdades. Em alguns dos grupos, reunimos propositalmente crianças de diversas idades. Uns têm pequenos de 4 e 5 anos, outros, de 3 e 4 e alguns de 2, 3 e 4 anos. Isso tem intencionalidades claras. Pesquisas e nossa própria experiência comprovam que a interação entre os maiores e os menores é benéfica para o desenvolvimento de todos. Alguns educadores enfrentam problemas por causa dessa mistura, mas procuramos mostrar a eles as vantagens da diversidade em programas de formação continuada.

Qual o papel do currículo para os grupos da Educação Infantil?
ANA Essa é uma etapa da Educação como qualquer outra e, portanto precisa ter claros os objetivos e os conteúdos a serem trabalhados e, às vezes, também as metodologias de ensino. Sendo assim, é evidente que ela necessita de um currículo para explicitar o que deve ser ensinado, como e o porquê, de acordo com os valores e propósitos educativos que a sociedade e o Estado estabelecem em determinado tempo histórico.

A turma aprende muito quando brinca, mas não só nessa situação. Em quais outras também são adquiridos saberes?
ANA Brincar, por si só, é um conteúdo e nem sempre faz sentido brincar para aprender algo. Se assim fosse, os pequenos nunca brincariam para se divertir, e isso é essencial. Eles também aprendem quando pintam, contam e ouvem histórias e exploram materiais, por exemplo. São atividades desafiadoras e que permitem a apropriação de diversos conhecimentos, como diferenciar texturas, manipular pincéis e outros instrumentos e construir narrativas, A turma aprende também por meio de atitudes , observações e conversas com os colegas.

Como o professor deve conciliar as brincadeiras com outros conteúdos que precisam ser ensinados à turma? 
ANA É importante que ele se preocupe com a organização do tempo para garantir que elas participem de diferentes atividades de forma regular, incluindo essa distribuição as propostas de livre escolha, em que cada um escolhe o que quer fazer dentre as opções oferecidas, e as coletivas, em que todo o grupo trabalha junto. A rotina bem planejada deve incluir contar histórias, cantar músicas, resolver problemas matemáticos e brincar, entre outras propostas, mas nem todas precisam ser realizadas diariamente.

É possível intervir de modo produtivo durante as brincadeiras sem fazer imposições que possam comprometer a espontaneidade da criançada?
ANA Sem dúvida. Se feitas do modo correto, as intervenções não interrompem nem atrapalham. Não há uma receita sobre como intervir. Muito depende do grupo, da situação e dos propósitos de aprendizagem. O importante é que a intervenção enriqueça a brincadeira, deixe-a mais complexa ou com outra dinâmica, e favoreça a interação entre os participantes. No caso de uma atividade com blocos de construção, por exemplo, enquanto a turma empilha as peças, é possível desafiá-la oferecendo novos materiais, de diferentes tamanhos e formas. Durante o faz de conta, melhor do que perguntar "do que vocês brincando?" e interromper a ação dramática, é incluir falas que colaborem com a situação ou simplesmente observar.

Boa leitura a todos os professores, especialmente os da Educação Infantil.



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